RESUMO: O presente trabalho explora a história da guerra para verificar a existência de limitações nos métodos de guerrear, de modo a descobrir se existe correlação com as limitações de se causar prejuízo ao meio ambiente durante uma situação de conflito armado. Partindo disso, tem-se o desenvolvimento de um estudo perpendicular sobre a evolução das dimensões de Direitos Humanos e de Direitos Fundamentais, até que o trabalho se depara em um ponto de convergência em que são estudados os mecanismos de Direito Internacional Público que responsabilizam Estados e seus agentes quando de agressões ao meio ambiente, que, como um Direito Humano de Fraternidade é preservado pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados até mesmo em situação de ausência da razão, de guerra.
Palavras-Chave: História da Guerra. Meio Ambiente. Direito Internacional dos Conflitos Armados.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho elegeu por tema o estudo dos limites que o Direito Internacional estabeleceu sobre as possibilidades de conduta em conflitos armados – em especial, a guerra – no que concerne ao meio ambiente.
Não se objetiva, todavia, tratar sobre a legitimidade ou não das guerras na contemporaneidade, mas tão somente, ao estabelecer-se como marco a existência de uma situação de guerra, abordar um estudo histórico e bibliográfico sobre o caminho percorrido pela cultura guerreira desde os primórdios até a contemporaneidade no tocante às práticas aceitáveis ou não em um conflito armado.
Para isso, aventaram-se hipóteses, as quais norteiam a pesquisa ao indagarem se a guerra alguma vez foi, no tocante a seus métodos de execução, ilimitada; se a existência de limitação deveu-se a uma preocupação com o pós-guerra; e se a proteção conferida ao Direito Ambiental guarda relação com a cultura guerreira e com a proteção do Direito Internacional Humanitário.
Com tais questionamentos, este estudo organizou-se em uma sucessão de capítulos, os quais possuem o intuito de, inicialmente, construir uma linha do tempo comparativa entre a ampliação das limitações do meios de execução dos conflitos armados e ampliação das dimensões dos Direitos Humanos, para, então, demonstrar como são internalizados e, a partir disse, verificar-se a existência de dispositivos internalizados ao ordenamento jurídico brasileiro tratando da responsabilidade do Estado e de seus agentes no tocante aos atos praticados contra o meio ambiente quando da ocorrência de uma guerra.
1 DA HISTÓRIA DA LIMITAÇÃO DA CONDUTA GUERREIRA EM SITUAÇÕES DE GUERRA
Primeiramente, para que se possa estudar a história da limitação da conduta guerreira em situações de guerra, é preciso que se defina o que é “guerra”, pois, do contrário, estudar-se-á a história de um termo desconhecido.
A “guerra” é uma prática que precede a existência dos Estados, como são concebidos na contemporaneidade, em que uma sociedade (um povo), por meio da força, tenta impor sua vontade sobre um ou mais povos (KEEGAN, 2006, p. 18-20):
Contudo, a guerra precede o Estado, a diplomacia e a estratégia por vários milênios. A guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é suprema, onde o instinto é rei. […]. O que não se levava em conta de forma alguma era a guerra sem início ou final, a guerra endêmica de povos sem Estado, ou mesmo em estágio pré-estatal, nos quais não havia distinção entre portadores legais e ilegais de armas, uma vez que todos os homens eram guerreiros.
Porém, outra forma de definir o que é a “guerra” é fazer o caminho inverso, o de fazer a negativa sobre aquilo que não é “guerra”. Nesse sentido, é possível que se diga que não é “guerra” uma rixa, uma luta, uma inimizade de cidadãos privados, não podendo, igualmente, estar ausente o elemento “arma”, porque sem o uso de armas não pode haver uma guerra (GENTILI, 2006, p. 61):
Além disso convém que a contenda seja pública, não podendo ser chamada guerra uma rixa, uma luta, uma inimizade de cidadãos privados. Públicas também devem ser as armas, de parte e outra, porque como guerra se classifica o que ocorre entre duas partes iguais. O combate visa à vitória, tanto que no início se chamava duelo.
Conceito esse que sofreu uma metamorfose ao longo da história humana, o que se poderá acompanhar no discorrer do estudo sobre as limitações de conduta guerreira em guerra, até que se chegasse no conceito contemporâneo de “guerra”.
Na concepção atual, “guerra” é (PORTELA, 2011, p. 537):
[…] o conflito armado que envolve Estados soberanos e cujo objetivo principal é solucionar uma controvérsia pela imposição da vontade de uma das partes na disputa. […] a noção de guerra abrange também os conflitos armados por meios dos quais os povos, no exercício do direito à autodeterminação, lutam contra dominação colonial, a ocupação estrangeira e os regimes racistas, nos termos dos Protocolos I e II, adicionais às Convenções de Genebra, de 1977.
Logo, percebe-se que a definição de “guerra” independe de que haja um conflito bélico entre Estados, contudo, por ser uma “contenda de armas públicas” (GENTILI, 2006, p. 61), incluem-se como principais partes envolvidas os Estados, pode existir até mesmo sem que haja Estados, basta que existam povos em conflito – como foi durante o período pré-estatal e o é atualmente nos termos dos Protocolos I e II, adicionais às Convenções de Genebra de 1977.
Encerrado esse primeiro “parênteses”, tem-se que a história da guerra guarda uma série de regramentos consuetudinários ou positivados em que se percebe a ausência de permissividade plena de condutas pelos guerreiros (CRETELLA NETO, 2014, p. 357):
Contudo, os conflitos armados não ocorrem em um vácuo jurídico, aplicando-se o “ius in bello”, conjunto de normas e princípios desenvolvidos desde o princípio da História, e consolidado em uma série de instrumentos jurídicos concluídos, principalmente, na Haia e em Genebra, a partir de 1899.
Tal afirmação encontra consonância nos estudos do antigo professor de história militar da Real Academia Militar de Sandhurst John Keegan (2006, p. 94):
A expectativa de um futuro no qual o recurso à guerra seja colocado sob limites racionais não deve nos levar à falsa visão de que não tenha havido limitações no passado. Os mais altos sistemas éticos e políticos tentaram impor restrições legais e morais ao uso da guerra e seus costumes desde os primeiros tempos.
Contudo, mesmo que desde os primórdios da humanidade a guerra tenha sido limitada por sistemas éticos e políticos, nem sempre foi limitada pelos mesmos motivos, como se passará a demonstrar.
Sendo assim, se hoje a limitação à guerra tem por objetivo evitar o extermínio da humanidade (SOUSA, 2011, p. 18):
Através da regulamentação da conduta dos Estados em conflito, o Direito Internacional Humanitário se posiciona na mais delicada das searas estatais: a limitação da soberania, da livre vontade dos Estados. É por meio da normatização dos métodos de combate que o DIH lança regras que devem ser obedecidas pelos Estados combatentes, não para transformar a guerra em um jogo de regras elegantes pactuados por cavalheiros, mas sim para que o conflito não leve a coletividade ao extermínio.
Muitas transformações ocorreram na cultura guerreira para que se chegasse a tal nível de consciência. Diz-se isso considerando a mutabilidade da cultura guerreira existente de acordo com Keegan (2006, p. 17):
Com efeito, um dos temas deste livro é que, nas aparências exteriores, existem três tradições guerreiras distintas. Em última análise, porém, há apenas uma cultura guerreira. Sua evolução e transformação ao longo do tempo e do espaço, dos começos do homem Pa sua chegada ao mundo contemporâneo, é a história da guerra.
Sendo assim, tem-se que, inicialmente, para os fins deste trabalho, dividir-se-á as fases da consciência da cultura guerreira em temor a cólera divina, uma noção de honra involucrada com a ideia de respeito à divindade, uma noção de honra relacionada com o “status” social e uma preocupação com a sobrevivência da raça humana aos efeitos da guerra.
2 DO COMPORTAMENTO GUERREIRO AGRADÁVEL À DIVINDADE
Esclarecida tal sucessão de transformações nos costumes beligerantes, toma-se por primeiro objeto de estudo o temor do combatente a cólera divina, onde o uso das armas deveria respeitar preceitos agradáveis aos olhos da divindade cultuada.
Nesse sentido, há registro da história e na mitologia de povos greco-romanos sobre a limitação de formas de fazer a guerra (CRETELLA NETO, 2014, p. 358):
A Odisseia descreve como o uso de flechas envenenadas poderia provocar a ira dos deuses. Na Grécia Antiga, templos e sacerdotes eram invioláveis, e deveria ser oferecida compaixão aos prisioneiros. Também o Império Romano impunha normas para mitigar os efeitos da guerra.
O mesmo padrão comportamental também era vislumbrado na Índia de Manu, demonstrando que a limitação às possibilidades da guerra formava par entre ocidente e oriente. Isso é possível de ser afirmado quando, avaliado a limitação divina ao uso de flechas envenenadas pelos povos greco-romanos, verifica-se que, no Código de Manu e o Mahabharata havia normativas que limitavam a liberdade do guerreiro vencedor sobre as pessoas vencidas (SOUSA, 2011, p. 45):
Outras codificações antigas também tratavam de forma específica das leis de guerra. O Código de Manu e o Mahabharata traziam disposições normativas extremamente avançadas para a sua época: era proibido matar o inimigo rendido ou desarmado, os feridos tinham que ser enviados de volta ao seu lugar de origem, e principalmente, não eram considerados lícitos todos os meios de combate, ou seja, algumas ações que facilmente seriam justificadas pelo simples estado de guerra eram consideradas proibidas, como o uso de flechas envenenadas.
No mesmo sentido, relata o jurista e intelectual Alberico Gentili que o temor ao divino era uma das causas para que se evitasse o uso de veneno na guerra (GENTILI, 2006, p. 251):
A sétima, a oitava e a nona estão nessas palavras de Floro (Epitome de Gestir Romanorum, 2): “Misturados, ó coisa nefanda, venenos às águas, tornou infame a vitória porque é contra as leis divinas e os costumes dos antepassados, contaminou de sucos impuros as intemeratas armas romanas”. […].
Portanto, tem-se que foi atrelado ao elemento divino a noção guerreira do que seria certo ou errado quando da execução de técnicas para vencer a guerra, e que nem tudo era permitido, embora não houvesse claramente uma positivação ou um direito internacional positivamente reconhecido – o que havia eram práticas que as crenças da época permitiam e práticas que eram consideradas desagradáveis a Deus ou aos deuses.
3 DO HONORÁVEL COMPORTAMENTO GUERREIRO PERANTE DEUS
Todavia, com a expansão das religiões monoteístas, as quais condenavam o assassinato, salvo em certas circunstâncias, a sociedade passou a moldar seus valores éticos, e, consequentemente, os membros dessas sociedades passaram a moldar seus valores morais às premissas defendidas pelas religiões que praticavam (KEEGAN, 2006, p. 18-9):
Pois, apesar de toda a influência que Freud, Jung e Adler tiveram sobre nossa visão das coisas, nossos valores morais continuam a ser os das grandes religiões monoteístas, que condenam matar as almas irmãs, exceto nas circunstâncias mais inevitáveis.
Mesmo que desvios da conduta esperada pudessem ocorrer quando da prática de atos de beligerância, a guerra passou a sofrer maiores restrições no tocante à forma com que poderia ser praticada.
Como restrição estabelecida pelo Quinto Livro de Moisés (Deuteronômio), era dada a oportunidade de rendição à cidade sitiada, sendo estabelecido o dever de que, sendo vencedor o sitiante, as mulheres, as crianças e os animais fossem poupados (CRETELLA NETO, 2014, p. 358):
O sítio de uma cidade era permitido apenas se lhe fosse dada a oportunidade para render-se. Mulheres, crianças e animais deveriam ser poupados após a tomada da cidade, sendo autorizado matar apenas os homens adultos.
É possível, então, que se note a possibilidade de que os homens adultos da cidade vencida fossem mortos. Deve-se ressaltar sobre isso que, como visto acima, todos os homens das sociedades pré-estatais eram considerados guerreiros e, portanto, combatentes.
Entretanto, com o cristianismo é possível notar um afunilamento no tocante a quais seriam as pessoas passíveis de serem mortas por um guerreiro, lista que passou envolver não apenas uma rol taxativo (mulheres, crianças e animais), mas também todos aqueles que não portavam armas, tais como membros do clero (FLORI, 2005, p. 30):
Por fim, ele “faz cavaleiro” o postulante ao cingi-lo com o gládio, símbolo de sua missão de defensor da Igreja, de combatente da fé, de protetor de todos aqueles que não portam armas: membros do clero, pobres, viúvas e órfãos.
Além disso, surge um costume entre os povos medievais do ocidente no tocante às regras de assédio, pois, tendo em vista que o objetivo principal é a vitória e não a morte do oponente, se estabeleciam critérios para que o vencido pudesse abandonar com vida o sítio perdido – o que era igualmente benéfico para vencidos e vencedores no tocante a evitar baixas e efeitos colaterais da contenda (KEEGAN, 2006, p. 204):
Em geral, a vantagem na guerra de assédio, antes da pólvora, estava sempre com o defensor, desde que ele tomasse a precaução de armazenar provisões, e a tal ponto que era uma convenção da guerra de assédio no Ocidente medieval que os adversários concordassem com um limite de tempo: se ao expirar esse período o sítio não tivesse sido levantado por uma força de auxílio, os que estavam dentro dos muros podiam sair sem penalidade. Uma vez que os atacantes também podiam ficar sem provisões ou, o que é mais provável, sucumbir às doenças em seus acampamentos insalubres, esse acordo constituía uma opção sensata para qualquer guarnição.
Questão que também é observada pelo Doutor Jean Flori (2005, p. 86):
Assim, em muitos casos, os riscos corridos pelos milites são limitados pelos métodos da guerra e os usos militares. Não se deveria, todavia, exagerar seu alcance. Ainda se trata apenas de costumes e não de “leis” da guerra universalmente aceitas. Todos têm suas exceções e seus limites. Assim, a promessa de não matar ou mutilar uma guarnição que se rende implica o tratamento habitual ou, em todo caso, considerado legítimo.
Não obstante, o mesmo princípio misericordioso é movido para com os prisioneiros, os quais não devem ser mortos por já não estarem combatendo (GENTILI, 2006, p. 326):
O primeiro deles, porém, permite-se dizer sobre os prisioneiros de guerra não sei que coisas contrárias que, se fossem verdadeiras, tirariam a razão de Eliseu. De lei divina e natural e de direito das gentes, portanto, é a mencionada opinião, sobre a qual os romanos não tiveram dúvida alguma, como outros já o assinalaram. Essa é também a opinião de Agostinho e é igualmente professada pelo direito canônico. O inimigo que combate é necessário que seja morto e, como a quem resiste se move resistência, assim ao vencido e ao prisioneiro se deve misericórdia.
Surgindo, com isso, uma espécie de senso de honra que (FLORI, 2005, p. 91):
[…] recusa com horror tudo o que pode ser assimilado à covardia, defeito imperdoável nos cavaleiros prontos a tudo para que os jograis e os arautos de armas não possam “cantar uma canção ruim” acerca deles ou de sua linhagem. Essa mesma preocupação conduz também, no decorrer do século XII, a julgar indigno, para um cavaleiro, atacar um inimigo ferido muito gravemente ou desarmado.
O que, embora fosse uma regra estabelecida pelos costumes, encontrava exceções, o que levou à Mestra Mônica Teresa Costa Sousa a afirmar que “as páginas do Direito Humanitário passaram em branco durante a Idade Média” (2011, p. 50), ao citar à pregação da primeira cruzada pelo Papa Urbano II.
Contudo, assim como se pode identificar na pesquisa supracitada, havia regras embrionárias de Direito Humanitário sendo gestadas na Idade Média, o que não elimina a ocorrência de excessos condenáveis.
Como demonstração disso, tem-se que foi cunhada a expressão latina “jus in bello”, cujo significado pode ser traduzido como “direito da guerra”, ou seja, pode ser empregado, de acordo com o Doutor Francisco Rezek (2007, p. 368-9):
[…] ao conjunto de normas, primeiro costumeiras, depois convencionais, que floresceram no domínio do direito das gentes quando a guerra era uma opção lícita para resolver conflitos entre Estados. […]. Essas regras foram essencialmente humanitárias, o que vale dizer que estiveram voltadas à proteção das vítimas da guerra, mais que ao ritual militar.
O que permite concluir que não passou de todo “em branco” o Direito Humanitário quando da Idade Média. Podem, todavia, terem ocorridos inúmeros excessos, o que não quer dizer que fossem considerados corretos pelos costumes dominantes.
4 DO HONORÁVEL COMPORTAMENTO GUERREIRO PERANTE A SOCIEDADE
Com o nascimento dos Estados, o que essencialmente ocorreu como fruto de processos históricos que, em certas vezes, derivaram de situações de guerra (PORTELA, 2011, p. 169):
O aparecimento dos Estados é, essencialmente, resultado de processos históricos. Com efeito, a História registra que entes estatais nasceram de conflitos armados, de movimentos de independência ou de unificação nacional, da divisão de Estados maiores, de negociações políticas, do voto popular etc.
O senso de honra guerreira que floresceu com sua relação com elementos religiosos passa a agregar atributos de relação para com a sociedade do Estado em que se encontra o guerreiro, o que se relaciona com o surgimento de oficiais (KEEGAN, 2006, p. 128):
Somente quando uma sociedade passava da prática da guerra primitiva para o que chamou guerra verdadeira (que ele às vezes também chamava de guerra civilizada) poderia surgir um Estado, e somente, por interferência, quando um Estado passava a existir, poder-se-ia escolher sua natureza – teocrática, monárquica, aristocrática ou democrática. O teste-chave da transição do primitivismo para a modernidade, concluía ele, era o “surgimento do exército com oficiais”.
Informação relevante quando se estuda o tipo de compromisso que assume um oficial militar quando de sua formação, o que, a título de ilustração, pode ser analisado no juramento do oficial do Exército Brasileiro: “perante a Bandeira do Brasil e pela minha honra, prometo cumprir os deveres de oficial do exército brasileiro e dedicar-me inteiramente ao serviço da pátria” (COMPROMISSO…, 2016).
Diante disso, é preciso que se avalie quais são os deveres de um oficial do Exército Brasileiro, de modo a entender a relação desses deveres e desse juramento com a evolução das limitações de conduta dos agentes em ambientes de guerra.
Dentre esses deveres, um em particular guarda relação com o tema deste trabalho, o dever de probidade previsto no inciso III, do artigo 31, do Estatuto dos Militares.
“Probidade”, segundo o Dicionário Aulete, significa “qualidade de probo, retidão de caráter, integridade, honestidade” (AULETE, 2018). Logo, o dever de ser probo significa que o oficial, assim como os demais militares ou guerreiros, deve agir de acordo as regras.
Esse dever de exercer as artes da guerra com uma conduta reta também se visualizava em outras culturas, sendo inclusive parte dos ensinamentos militares para aqueles que almejavam o oficialato em academias militares (KEEGAN, 2006, p. 437):
Os oficiais desses exércitos reais também abriam mão de boa parte da liberdade pessoal de que seus nobres antepassados, reais ou imaginários, tinham gozado. A partir dos inícios do século XVII, “a turbulência e a inquietação dos membros jovens de família nobres” tinham levado Veneza a criar várias academias militares para inculcar alguma disciplina e um pouco de aprendizado profissional aos que iriam em breve ser reconhecidos como, se não efetivamente denominados, “a classe dos oficiais”. […] e à criação de escolas militares, destinadas a ensinar a jovens aristocratas estouvados exercícios de praça de armas, esgrima e equitação avançada e, no processo, educá-los e até civilizá-los. […] a liderança na guerra, como os romanos acreditavam, exige tanto virtudes militares quanto cívicas.
Entretanto, é importante que se ressalte que, embora seja dado enfoque no oficialato, o dever de probidade é um dever de todo militar, como afirma o Excelentíssimo Senhor General de Brigada Valmir Fonseca Azevedo Pereira ao responder sobre quais os valores mais característicos da profissão militar (2012, p. 13):
A Lealdade e a Probidade, que, aliás, estão intimamente relacionados. A AMAN, durante o período em que vigorou o “Código de Honra”, simplificava, aliás, de forma muito inteligente, os valores da profissão. Por toda a Academia encontrávamos cartazes que diziam: Ser Cadete é cultuar a Verdade, a Lealdade, a Probidade e a Responsabilidade. Ponto. Esta, talvez, tenha sido a forma mais clara de sintetizar esta questão.
Sendo recompensados de uma forma honorífica pela sociedade o militar que melhor acultura-se aos preceitos éticos da profissão, dentre os quais o dever de ser probo (KEEGAN, 2006, p. 293-4):
Como sabem aqueles que reconhecem os soldados como membros de sociedade militar, essa sociedade tem uma cultura própria aparentada, mas diferente da cultura mais ampla a que pertence, funcionando com um sistema diferente de punições e recompensas – as punições, mais peremptórias, as recompensas, menos monetárias e, com frequência, puramente simbólicas ou emocionais –, mas profundamente satisfatório para seus participantes. […]. É a admiração dos outros soldados que o satisfaz […].
Tem-se, portanto, que a capacidade militar de restringir suas ações em tempo de guerra, ou seja, de limitar sua liberdade de ação continuou existindo com o surgimento dos Estados, sendo reforçada pelo grau de aceitação ou reprovação da sociedade às referidas condutas, pois ao militar importa como será julgado pela sociedade em que vive, em especial a sociedade de militares, seus pares, motivo que reforça a necessidade de um comportamento probo por sua parte.
5 DO COMPORTAMENTO EM GUERRA CARO À HUMANIDADE
Como passo seguinte, em uma lógica de transformação da cultura guerreira, assim como da sociedade, as limitações de conduta praticadas em situação de guerra passaram a não abarcar apenas aquelas condutas tidas como desonrosas, mas também começou a envolver aquelas que poderiam causar danos ao ser humano como um todo e por mais tempo do que a duração das hostilidades.
É necessário que se diga, no entanto, que essa nova dimensão das limitações não excluiu a dimensão anterior, mas tão somente a envolveu em uma esfera de impossibilidades – condutas negativas – maiores.
Tem-se então a necessidade de que se limite a destruição causada pela guerra, uma vez que destruir por simplesmente destruir seria inaceitável (GENTILI, 2006, p. 409):
Destruir por destruir, contudo, e só por despeito ao inimigo (como arruinar templos, os pórticos, as estátuas e outras coisas similares), é furor louco, não sendo lícito ao homem de bem combater os inimigos até seu total extermínio, mas somente para punir as falhas que tenham cometido e para corrigi-las.
Nisso, é possível observar um sentimento humanitário, em que pese os humanitaristas sejam avessos à guerra. Contudo, não se pode negar que a mudança das civilizações proporcionou uma compreensão diferente sobre a guerra, gerando uma repulsa a seus efeitos (KEEGAN, 2006, p. 91):
[…], o fato de que o esforço está sendo feito indica uma mudança profunda na atitude da civilização em relação à guerra. O esforço de pacificação não é motivado por cálculos de interesse político, mas por repulsa às consequências da guerra. O impulso é humanitário e, embora os humanitaristas sejam velhos oponentes da guerra […].
Consoante a isso, Flori explana que a guerra era vista como “uma atividade lúdica, cujo objetivo é vencer mais do que matar, capturar e pedir resgate do adversário mais do que aniquilá-lo” (FLORI, 2005, p. 79).
Todavia, uma ressalva faz-se necessária, a proibição já existente na Antiguidade Judaica sobre a proibição de que se destruíssem árvores frutíferas ou se devastassem as terras inimigas (GENTILI, 2006, p. 417):
Na verdade, por lei divina é proibido abater as árvores frutíferas, mesmo para construir máquinas de guerra (Deuteronômio, 20). Flávio Josefo (Antiguidades Judaicas, 4) afirma que, se estas árvores pudessem falar, todas a uma só voz diriam que suportavam injustamente passagem considera muito suave esta lei dos judeus que proíbe devastar a terra inimiga e abateras árvores frutíferas.
O que permite concluir que já existia uma proteção ao meio ambiente, mesmo que rudimentar, existente inclusive no período em que o maior medo consistia na punição divina.
Entretanto, não se pode dissociar essa restrição quando se fala em uma visão muito mais ampla do que abrange na contemporaneidade. Essa construção tem por base a necessidade de compreensão que a guerra civilizada tem um início e deverá possuir um fim; havendo o termo final, os povos que estiveram em contenda deixarão de ser inimigos públicos e passaram a ser particulares, cessando portanto a legitimidade em se matar um inimigo (SOUSA, 2011, p. 62):
Rousseau foi o primeiro a precisar de forma clara o que seria o maior dos princípios relacionados com o DIH: o princípio da humanidade. Quando trata, ainda no século XVIII, da relação bélica entre os Estados, Rousseau esclarece que o conflito se dá apenas entre as coletividades estatais, e que as pessoas envolvidas no conflito em algum momento passarão a ser não mais inimigos combatentes, mas particulares rendidos ou feridos. E é justamente a partir deste momento que cessa a legitimidade em matar o inimigo.
Por esse motivo, é imprescindível que o dano causado a dada sociedade não seja feito com a intenção de que se perpetue no tempo, mesmo após as hostilidades, uma vez que a guerra não é uma relação homem contra homem e sim de Estado contra Estado (ROUSSEAU, 2017, p. 17):
A guerra é uma relação de Estado para Estado, e não uma relação de homem para homem, na qual os particulares se tornam inimigos acidentalmente, não como homens, nem como cidadãos, mas como soldados; não como membros da pátria, mas como seus defensores. No entanto, cada Estado não pode ter como inimigo senão outro Estado, nunca homens, entendido que entre coisas de naturezas diversas é impossível fixar uma verdadeira relação.
E por esse motivo, homens que atuam como soldados não devem causar a outros homens mais dano do que se esperaria para a defesa de seu Estado, uma vez que não devem tomar para si a hostilidade de outros homens, se não a de outro Estado em que habitam.
Partindo, então, dessa premissa, tem-se que um dos dois elementos que constituem o tema do capítulo de desenvolvimento final deste trabalho foi estabelecido: o “jus in bello” envolve o dever dos agentes envolvidos na guerra não causar dano além do necessário para vencer e que não causem danos que possam levar uma sociedade a seu extermínio ou que afetem a humanidade como um todo.
6 DO MEIO AMBIENTE SAUDÁVEL COMO DIREITO DE FRATERNIDADE
Construído o estudo de uma das duas partes que unidas permitirão a compreensão de como o Direito Ambiental relaciona-se com o Direito Internacional dos Conflitos Armados, para que se verifique como se comportam e foram internalizados pelo Direito brasileiro, imperioso faz-se estudar o Direito Ambiental.
O Direito Ambiental é um ramo do Direito que regula a relação do homem com o meio ambiente, uma vez que, desde os tempos remotos, as civilizações buscaram estabelecerem-se em regiões que lhes proporcionassem melhores condições de vida com relação as regiões circundantes, muitas vezes tendo a necessidade de alterar a geografia local para gerar comodidade (TRENNEPOHL, 2007, p. 23):
O crescimento e o estabelecimento de vários grupos familiares, extrapolando o limite daqueles existentes, fez com que as populações modificassem o estado natural das fontes, buscando uma maior comodidade. Como exemplo de interação do homem com o meio ambiente, as águas advindas de fontes existentes nas proximidades das grandes cidades tinham de ser captadas, armazenadas e até lá conduzidas. De fato, os complexos aquáticos sempre ofereceram condições de sobrevivência ao homem.
Contudo, a forma com que um povo ou um Estado irá desenvolver-se deve ocorrer de uma forma sustentável, ou seja, de uma forma que a sociedade possa avançar sem esgotar os recursos naturais (REZEK, 2007, p. 245):
Conciliados os dois valores, chega-se ao conceito de desenvolvimento sustentado: aquele que não sacrifica seu próprio cenário, aquele que não compromete suas próprias condições de durabilidade. É dos Estados a responsabilidade maior pela busca do desenvolvimento preservacionista.
Observa-se que é dos Estados a responsabilidade maior, então, da busca pelo desenvolvimento preservacionista, uma vez que os Estados são senhores de seus cidadãos.
Concomitantemente, nota-se que o discurso preservacionista atrelado ao Direito Ambiental faz deste um Direito Humano, pois os Direitos Humanos surgem diante de (PIOVESAN, 2015, p. 44):
[…] um espaço simbólico de luta e ação social. […], os direitos humanos compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana.
Diante disso, tem-se que a história de conquista das civilizações por dignidade humana é uma história de luta e, literalmente, uma história de guerra, pois a criação dos Direitos Humanos propriamente ditos ressurgem como uma resposta à violações cometidas na Segunda Guerra Mundial e que, se não impedidas, voltariam a acontecer.
A ideia, então, seria limitar o poder dos Estados, como visto, senhores da guerra como contenda de armas públicas, para que não houvessem novos conflitos oriundos da violação dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2015, p. 44-5):
Essa concepção é fruto da internacionalização dos direitos humanos, que constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do Pós-Guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos.
Porém, se o Estado firma com seus membros um pacto social para impedir o perecimento da sociedade (ROUSSEAU, 2017, p. 20):
Imagino os homens chegando ao ponto em que os obstáculos, que causam prejuízos à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre as forças empregadas por cada indivíduo a fim de se manter em tal estado. Então esse estado primitivo não tem mais condições de subsistir, e a humanidade, se não mudasse sua maneira de ser, pereceria.
Não poderia o mesmo Estado violar a dignidade das pessoas. Logo, o Direito Internacional necessitou criar uma dupla estratégia: a primeira parte consistiu em verificar quais seriam os Direitos Humanos e, após, como fazer para garantir que os Estados o cumprissem.
Nesse sentido, em um primeiro momento, verificaram-se quais os direitos mais básicos que um Estado não pode negar aos seres humanos. A partir desse raciocínio, concluíram-se que os direitos civis e políticos (Direitos Humanos de primeira geração), os quais se definem como direito à vida, à liberdade, à segurança, dentre outros – direitos individuais (REZEK, 2007, p. 220):
Ali se diz que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança; a não ser jamais submetido à escravidão, à servidão, à tortura e a penas cruéis ou degradantes; ao reconhecimento de sua personalidade jurídica e a um processo judicial idôneo; a não ser arbitrariamente detido, preso ou desterrado, e a gozar de presunção de inocência até que se prove culpado; a não sofrer intromissões arbitrárias na sua vida particular, na família, no domicílio e na correspondência; à livre circulação e à escolha de seu domicílio; ao asilo quando perseguido por delito político; a uma nacionalidade; ao casamento e à constituição de família; à propriedade singular e em condomínio; à liberdade de pensamento, convicção política, religião, opinião e expressão, reunião e associação pacíficas; a participar do governo de seu Estado patrial e a ter acesso, em condições igualitárias, à função pública.
A segunda geração, que não negou a existência da primeira, mas integrou-se a esta, assim como foi com a evolução das limitações do “jus in bello”, fazia referência aos direitos sociais, também denominados direitos econômicos, sociais e culturais – direitos coletivos individualizáveis (PORTELA, 2011, p. 693):
A segunda geração refere-se aos direitos econômicos, sociais e culturais. São também conhecidos como “direitos de igualdade”, e sua afirmação relaciona-se com as consequências negativas da Revolução Industrial e do liberalismo sobre significativos contingentes humanos. Caracterizam-se por exigir, para sua concretização, a ação do Estado, especialmente do legislador e do Poder Executivo, inclusive por meio de políticas públicas, […].
Sendo, então, definidos pela Declaração de 1948 como (REZEK, 2007, p. 220):
[…] direito à previdência social, à igualdade salarial por igual trabalho, ao descanso e ao lazer, à saúde, à educação, aos benefícios da ciência, ao gozo das artes, à participação na vida cultural da comunodade.
Concomitantemente, é preciso, para completar o espectro de Direitos Humanos – pelo menos a trajetória até o raciocínio necessário para o tema do presente estudo – que se identifiquem os Direitos Humanos que são coletivos e não podem ser individualizados, sendo, portanto difusos.
Para isso, definem-se como direitos de terceira geração os direitos de fraternidade, dentre esses, o Direito Ambiental, uma vez que todos possuem direito a um meio ambiente harmônico, mas os efeitos benéficos de ações positivas e de negativas nesse sentido ou os maléficos não podem ser individualizados (PORTELA, 2011, p. 693):
A terceira geração dos direitos humanos inclui os chamados “direitos da fraternidade”, de caráter difuso, que não se dirigem especificamente a um indivíduo ou a um grupo social, mas ao próprio gênero humano como um todo, estando voltados ainda a promover a superação das diferenças entre os povos. Tais direitos relacionam-se com a necessidade de cooperação internacional em temas que podem exercer impacto sobre toda a humanidade, que se encontram relacionados com os desequilíbrios atualmente existentes e cujo tratamento correto pode propiciar o desenvolvimento da vida no mundo de forma mais harmônica. São também conhecidos como “direitos de solidariedade”, “difusos” e de “titularidade coletiva” e compreendem o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente saudável, à comunicação, ao patrimônio comum da humanidade etc.
Considera-se, assim, o direito a um meio ambiente saudável uma extensão do direito à vida, sendo obrigatório para preservação das futuras gerações humanas (TRENNEPOHL, 2007, p. 38):
O meio ambiente há muito já é considerado como uma extensão do direito à vida. Ao longo do tempo, como visto na introdução, a evolução da positivação da proteção ao meio ambiente tornou-se um imperativo fundamental de sobrevivência e de solidariedade. Atualmente é obrigatório preservar, para as presentes e futuras gerações.
E justamente em razão dessas necessidades é que as vanguardas do pensamento ocidental alargaram as gerações de Direitos Humanos para passar a abarcar conceitos como os de Direito Ambiental em seu rol (REZEK, 2007, p. 221):
Vanguardas do pensamento ocidental alargaram o horizonte desses direitos humanos societário, trazendo à mesa teses novas, como a do direito à paz, ao meio ambiente, à copropriedade do patrimônio comum do gênero humano.
Surge, contudo, a necessidade de que se possa efetivar tais direitos dentro do ordenamento de cada Estado, como forma de garanti-los. Nesse contexto, os Direitos Humanos passam a integrar as Constituições dos referidos Estados (PIOVESAN, 2015, p. 47):
No esforço de reconstrução dos direitos humanos do Pós-Guerra, há, de um lado, a emergência do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e, de outro, a emergência da nova feição do Direito Constitucional ocidental, aberto a princípios e a valores, com ênfase no valor da dignidade humana. Vale dizer, no âmbito do Direito Internacional, começa a ser delineado o sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos. É como se se projetasse a vertente de um constitucionalismo global, vocacionado a proteger direitos fundamentais e a limitar o poder do Estado, […].
Os Estados, desse modo, passam a incluir, dentre seus Direitos Fundamentais (Direitos Humanos internalizados na Constituição) certa gama de direitos que, exemplificativamente, incluem (NOVELINO, 2016, p. 273):
[…] o direito ao desenvolvimento (ou progresso), ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. Os direitos de terceira dimensão são transindividuais destinados à proteção do gênero humano.
Dessa forma, o Estado contemporâneo passa a configurar-se como um “Estado de Direito Democrático, Social e Ambiental” (PIOVESAN, 2015, p. 47).
7 O DIREITO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Diante das transformações da compreensão de que a guerra necessitava de limites quando de sua execução – sendo ou não legítima – pode-se verificar que, conjuntamente, a compreensão de que o Direito Ambiental também necessitava de proteção.
Consequentemente, quando se considera que são dois ramos do Direito (Direito Internacional dos Conflitos Armados e Direito Ambiental) que avançam na história de forma transversal, tem-se que se encontram.
Dessa forma tem-se que é natural que o Direito Internacional dos Conflitos Armados possua previsão de regramentos que restrinjam a legitimidade de certas condutas dos agentes estatais em situação de guerra no tocante ao que podem ou não fazer com o meio ambiente.
Nesse sentido, cita-se o artigo 1º, e seus parágrafos, da Convenção sobre a Proibição da Utilização de Técnicas de Modificação Ambiental para Fins Militares ou Quaisquer Outros Fins Hostis, de 1976, o qual se molda como um compromisso de que nenhum Estado Parte utilizará, “para fins militares ou outros fins hostis, técnicas de modificação ambiental com efeitos generalizados, de longo prazo ou severos como meio de causar destruição, danos ou prejuízos a qualquer Estado Parte” (CONVENTION…, 2018), tampouco encorajará que outro Estado o faça.
Destaca-se, ainda, que “as técnicas cobertas pela convenção são todas as que modificam ‘mediante a manipulação deliberada de processos naturais, a dinâmica, composição ou estrutura da Terra’”, preocupando-se, portanto, em proteger o meio ambiente para que a vida humana não se torne impossível (O MEIO…, 2010).
Todavia, não basta um Estado, por meio de um representante, assinar um tratado ou convenção, é necessário que esses sejam ratificados nos termos da legislação de cada país, de modo a fazer com que os termos dessa convenção, por exemplo, ingressem no ordenamento jurídico interno e o Estado ingresse no domínio jurídico da convenção (REZEK, 2007, p. 55).
A ratificação do tratado é, portanto, a aceitação do Estado em submeter-se ao acordo após ter reexaminado seus termos (PORTELA, 2011, p. 110):
A ratificação é ato pelo qual o Estado, após reexaminar um tratado assinado, confirma seu interesse em concluí-lo e estabelecem, no âmbito internacional, o seu consentimento em obrigar-se por suas normas. É a aceitação definitiva do acordo.
No Brasil, por exemplo, a Convenção sobre a Proibição da Utilização de Técnicas de Modificação Ambiental para Fins Militares ou Quaisquer Outros Fins Hostis, de 1976, foi ratificado por meio do Decreto Legislativo nº 50, de 28 de junho de 1983 – de acordo com o Decreto nº 225, de 07 de outubro de 1991.
Além dessa convenção, encontra-se, no Protocolo I Adicional às Convenções de Genebra de 12 de Agosto de 1949, relativo à Proteção das Vítimas dos Conflitos Armados Internacionais, expressa proibição ao uso de qualquer método ou meio de guerra.
Protocolo que, de acordo com Rezek, foi concluído “com o proposito de reafirmar e desenvolver o direito internacional humanitário aplicável aos conflitos armados (2007, p. 376).
O artigo 35º do referido protocolo é cristalino ao afirmar que “é proibido utilizar métodos ou meios de guerra concebidos para causar, ou que presume irão causar danos extensos, duráveis e graves ao meio ambiente”, ou seja, houve uma construção desde o período do temor ao divino, passando pela atitude honorífica até a “positivação” de termos de valor internacional para assegurar a proteção de recursos essenciais à humanidade.
Somando-se a isso, o artigo 55º do mesmo diploma esclarece os motivos pelos quais se faz a referida proteção, além de reforçá-la, ao afirmar que é proibido o dano ambiental que acabe por comprometer a saúde ou a sobrevivência da população, mesmo que por represália.
Vê-se, com isso, que mesmo que um Estado tenha o desejo de retribuir um agravo causado por outro Estado à reserva de natureza que existe nos domínios do agredido, não pode, uma vez que o dano à natureza de qualquer país não atinge só os países envolvidos, mas todas as pessoas.
Observando-se que Brasil ratificou o referido protocolo em 25 de junho de 1993, por meio do Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993, como forma de garantir que suas tropas cumpram com o pactuado.
Tal protocolo, entretanto, não obriga apenas os Estados-Partes, mas também seus agentes, uma vez que, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 2002, por meio do Decreto nº 4.388, classifica, em seu artigo 8º, alínea “a”, como crime de guerra, “às violações graves às Convenções de Genebra de 1949”, ao que inclui a direção intencional de métodos de guerra que possam afetar a sobrevivência da população civil – e, conforme o Protocolo I, ataques ao meio ambiente enquadram-se nesse critério.
No mesmo sentido, também se consideram crimes de guerra os previstos na alínea “b” do mesmo artigo, e dentre esses há as “graves violações das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais” no que concerne “lançar intencionalmente um ataque, sabendo que o mesmo causará prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa”.
Ressalta-se, oportunamente, que, como “costume”, entende-se a “prática geral, uniforme e reiterada dos sujeitos de Direito Internacional, reconhecida como juridicamente exigível” (PORTELA, 2011, p. 73).
Sendo sujeitos de Direito Internacional os Estados soberanos e as organizações internacionais, conforme Rezek (2007, p. 18).
Em outras palavras, criminaliza-se a conduta dos agentes que representam os Estados em um conflito armado para que esses agentes possam ser responsabilizados penalmente por condutas contra elementos essenciais para a sobrevivência humana, dentre esses, o meio ambiente.
Corroborando com esse entendimento, Portela destaca que (2011, p. 461):
[…] os crimes de guerra são os atos ilícitos cometidos contra as normas do Direito de Guerra e do Direito Humanitário, estabelecidas no próprio Estatuto de Roma (art. 8) e nas convenções de Haia e de Genebra.
Portanto, tem-se que, ao criminalizar condutas praticadas durante uma guerra, a comunidade internacional visa prover a paz mundial, sem, no entanto, esquecer-se de que a guerra por si só já é uma prática, salvo exceção proibida, contudo, é necessário que haja uma regulamentação para quando de sua ocorrência, de modo a tentar evitar que a violação causada pela guerra seja maior, o que contribui para a restauração da paz (CRETELLA NETO, 2014, p. 352-6).
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que: a guerra sempre conheceu limitações, sendo gradativamente aumentadas em sua quantidade e profundidade; os motivos pelos quais o ser humano entendia a necessidade de limitar a guerra foram tornando-se cada vez mais complexos e cada vez implicavam em uma maior abrangência de condutas banidas; o Direito Ambiental vinha sendo tratado de forma pontual desde os primórdios da guerra, mas foi tratado de forma muito mais ampla na contemporaneidade, sendo sempre vinculado a uma questão de sobrevivência.
Em suma, para que as batatas de Quincas Borba sejam dadas ao vencedor, é preciso que existam batatas no final da contenda.
REFERÊNCIAS
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Possui graduação em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (2015), tendo recebido menção honrosa de 1º da turma durante a solenidade de formatura. É formando na Escola Preparatória de Cadetes do Exército (2010). Possui três menções honrosas por mérito escolar recebidos no Ensino Médio. Co-autor do artigo "Direito à Saúde no Brasil e sua Judicialização: abordagem normativa e sociológica", presente no livro "Processo e Constituição: Interfaces Possíveis", da Editora Essere nel Mondo. Co-autor do artigo "Responsabilidade dos Sócios em Face de Débitos Tributários da Pessoa Jurídica" publicado na Revista Destaque Jurídico no segundo semestre de 2014. Co-autor do Livro Digital "Das Regras da Guerra: Da Ética Cavalheiresca ao Estatuto de Roma", da Editora Saraiva. Autor do artigo Dos Costumes às Leis: um estudo sobre a influência da ética cavalheiresca no direito militar brasileiro contemporâneo, publicado na Revista de Direito Militar da AMAJME. Especialista em Direito Militar Universidade Cândido Mendes. Mestrando em Direito das Relações Internacionais pela Universidad de la Empresa. Já foi assessor jurídico junto à Procuradoria-Geral do Município de Gravataí/RS. Atualmente é Subsecretário Municipal da Saúde em Gravataí/RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, son Ronsoni dos. Limitações quando da guerra: um estudo sobre proteções do direito internacional conferidas ao meio ambiente e ratificadas pelo Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jan 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /52572/limitacoes-quando-da-guerra-um-estudo-sobre-protecoes-do-direito-internacional-conferidas-ao-meio-ambiente-e-ratificadas-pelo-brasil. Acesso em: 29 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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